Diante disso, o aumento da pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a concessão de uma licença exploratória na margem equatorial acaba evidentemente ofuscado
Desde seu retorno ao poder, em janeiro deste ano, Donald Trump vem chacoalhando a política e a economia globais, dominando assim as atenções e o noticiário em boa parte do mundo. Na avaliação de ambientalistas, essa conjuntura internacional contribuiu para a pouca repercussão da ofensiva do Brasil pela exploração de petróleo na Bacia Foz do Amazonas.
A questão, que no passado já recebeu mais atenção da mídia internacional, está agora concentrada, sobretudo, nas publicações especializadas da área ambiental.
“Trump virou a ordem mundial do avesso. Enterrou a Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e está fazendo todos os presidentes americanos, de Truman a Reagan, se revirarem no túmulo. A Europa está se rearmando para evitar uma invasão russa. Como resultado, a agenda de clima foi jogada no banco de trás”, avalia Cláudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, rede que reúne mais de uma centena de organizações socioambientais no Brasil.
“A Foz do Amazonas, diante disso, vira um não assunto. O risco é que outros projetos fósseis mundo afora também fiquem com o caminho livre”, completa.
As dimensões do ataque sem precedentes do republicano à agenda ambiental doméstica nos EUA também acabam dominando o debate público.
Depois de ter anunciado, ainda no primeiro dia de mandato, o pedido de saída dos EUA do Acordo de Paris, Trump seguiu um ritmo de alterações profundas em praticamente tudo relacionado à questão climática em seu país.
Cientistas americanos foram vetados, inclusive, de participar da mais recente reunião do painel de especialistas em mudanças climáticas da ONU, o IPCC.
Além de cortes no financiamento, o novo governo demitiu milhares de funcionários públicos diretamente ligados ao tema. As duas principais instituições envolvidas na área meteorológica e climática nos EUA, a Noaa (agência de atmosfera e oceanos) e a Nasa (agência espacial), sofreram alterações profundas.
Nesta semana, o governo americano anunciou que revogará dezenas de regulamentações ambientais no país, incluindo os limites de poluição de escapamentos e chaminés, proteções para áreas úmidas e a base legal que permite regular os gases de efeito estufa.
Diante disso, o aumento da pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a concessão de uma licença exploratória na margem equatorial acaba evidentemente ofuscado.
Ainda assim, o tema já aparece em algumas discussões entre os cientistas que acompanham as questões climáticas globais, diz a pesquisadora brasileira Astrid Caldas.
Cientista climática sênior no programa de Clima e Energia da União de Cientistas Preocupados, organização que promove políticas públicas baseadas em evidências e que combate a desinformação científica, Caldas vive há mais de 20 anos nos EUA.
A pesquisadora afirma que a ofensiva de Trump efetivamente domina as conversas, mas que o tema já surge em algumas discussões. “Isso [a Bacia Foz do Amazonas] não está muito na mídia aqui, mas já vejo repercussão internacional nos grupos que acompanham as mudanças climáticas”, afirmou.
“Todo mundo ficou muito feliz quando o Lula anunciou que faria a COP30 na Amazônia e o compromisso com o combate ao desmatamento. Mas aí ele vem e começa a colocar essa pressão para a extração de petróleo”, detalhou. “São posições contrastantes.”
Na avaliação da pesquisadora, essa questão pode acabar prejudicando a imagem de potência ambiental que o Brasil deseja projetar com a organização da COP30, a 30ª conferência do clima das Nações Unidas, que acontece em Belém, no Pará, em novembro.
“Na verdade, já há quem diga que o governo quer acelerar isso tudo para, quando chegar à época da COP30, o povo já ter se esquecido do que aconteceu”, disse Caldas.
Conforme revelado pela Folha de S.Paulo, a proximidade da COP30 é justamente um dos argumentos usados por uma ala do Executivo para acelerar a liberação da licença para pesquisar petróleo no chamado bloco 59.
Nos últimos dois meses, o presidente brasileiro reforçou a pressão para que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) autorize a Petrobras a realizar estudos de viabilidade técnica para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
“Se depois a gente vai explorar, é outra discussão. O que não dá é para a gente ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo”, afirmou o petista, em fevereiro, durante entrevista à Rádio Diário FM, de Macapá.
A Petrobras e a área energética do governo argumentam que a Foz do Amazonas é essencial para substituir o declínio da produção do pré-sal na próxima década.
Essa visão é contestada por ambientalistas, que destacam, além dos riscos aos ecossistemas da região, que a exploração de mais combustíveis fósseis é incompatível com as metas do Acordo de Paris e com o objetivo de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.
Já a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defende a análise técnica do Ibama sobre a questão.
Apesar do cenário adverso à repercussão internacional do que acontece no Brasil, organizações ambientais têm apostado em deixar uma “ofensiva preparada” em caso de aprovação da licença para a Petrobras.
Uma representante de uma grande organização não governamental, que pediu para não ser identificada, afirma que o objetivo é reagir com rapidez, garantindo que a questão seja amplamente discutida no exterior.
*Folha Press – Madri, Espanha